Esta é à Borba!

20 anos passaram. Desde o entusiasmo quase que infantil de pisar o ringue de uma nova federação pela primeira vez até aos últimos dias marcados pela dor de demasiadas lesões por sarar e pela rotina de quem mais nada tem. E é assim que, aos 47 anos, Borba pretende deixar a sua última marca na federação que o deu a conhecer ao mundo e onde se tornou por três ocasiões Campeão Mundial.
 
Numa sala improvisada, com um pano preto como tela de fundo, Vítor prepara-se para filmar um vídeo. O silêncio era total e com tudo já montado, era altura de “O Borba” falar.
 
CAM ON
 
Vítor surge na imagem com o mesmo casaco largo preto de sempre a postura intimidadora que sempre nos habituou. De pé diante da câmara, “O Borba” sem rodeios inicia o seu discurso. Não é um propriamente um novato nestas coisas.
 
VB: (De braços cruzados) A verdade é que nunca gostei muito de fazer estes vídeozinhos e de entrar em ameaças verbais. De gritar aos sete ventos que sou o melhor e que mereço todas as oportunidades e mais algumas como muitos fazem. Sempre deixei os meus punhos e as minhas acções dentro do ringue falar por mim e será assim no dia em que pendurar as botas. E como sabem esse dia está para breve.
 
As diferenças em Borba não era muitas, mas para quem reparasse com maior pormenor repararia no cabelo mais grisalho e mais curto do que era costume e na barba por fazer, também ela marcada com a idade. A barriga, essa, já vinha desde os seus tempos de glória não havia necessidade para desaparecer.
 
VB: (Removendo os óculos da cara) O problema é que esse dia vem com muito tempo de atraso. Tentem imaginar o que é estar em casa a curar uma lesão nos pescoço e receber uma carta com um último cheque e a informar que a companhia pelo qual deste a vida terminara. Conseguem imaginar o quão fodido fiquei?! (Apontando o indicador da mão direita para a câmara) Por não poder ter prosseguido com a minha carreira!? Por não poder ter mostrado a todos aqueles que me davam como morto, que um Borba volta sempre mais forte que nunca?!
 
Vítor acalma-se, passando a mão pela cara antes de prosseguir.
 
VB: Tenho agora a oportunidade de pendurar as botas, de ter um combate de despedida, tal como o meu pai e o meu avô tiveram. De mostrar como é que um Borba termina a sua carreira. É altura de montar a Presa (ataque especial de Borba, Sharpshooter) e ouvir mais um parvo qualquer a suplicar-me para parar pela última vez.
 
A intensidade no rosto de Borba assemelhava-se à mesma intensidade demonstrada pelo lutador de terceira geração nos seus mais duros combates, mais concretamente nas noites em que se sagrou campeão Máximo da FPW.
 
VB: (Aumentando de novo o tom de voz lentamente) Se pensam que não estou para as curvas, que me desleixei ou que já merecia estar reformado, desafiem-me. Quero vos tentar e fracassar tal como todos os outros que não acreditaram em mim. (Borba levanta-se e abre o casaco) Olhem para mim! Eu sou um Borba! E dia 27 de Dezembro eu mostro-vos como é que nós construímos o nosso legado! (Partindo os óculos que tinha na sua mão; uma das suas imagens de marca)
 
Vítor, enraivecido, olha directamente para câmara. Isto até voltar a acalmar-se. Era possível notar-se que o foco d’ “O Borba” era agora outro. Por isso, depois de abotoar o seu casaco, prossegue, desta feita com uma nova postura.
 
VB: (Após uma pequena pausa) Os tempos mudaram. Passámos de lutas a sério, em que cada Homem dava o corpo e alma para sequer sair vivo no fim da batalha para a actualidade. Em que tratam os veteranos como lixo ambulante e o que se quer é miúdos com uma carinha laroca aos saltos dentro de um ringue. (Rindo-se) O que pude verificar nestes últimos anos que ocupei funções de treinador é que grande parte desta nova geração borra as calças antes de sequer entrar no ringue. Não aguentam dois minutos no ringue comigo, não têm as "ganas", a barba rija e o pêlo no peito que tem um Homem com H grande, caralh*! 

VB: Dia 27 de Dezembro não é a despedida dos Borba, é o "Regresso": passo a tocha ao meu digno sucessor. À pessoa com mais "tomates" que treinei nestes últimos sete anos, que sei que será capaz de seguir as minhas pisadas, de carregar o fardo de uma quarta generação dos Borba, de ser a mesma força dominadora que EU fui: a minha filha.

“O Borba” convida a Raquel a surgir na imagem, enquanto recua para um segundo plano. Esta, que se encontrava a utilizar a sua vestimenta típica de combate, não esboça qualquer sorriso, limitando-se a afastar os seus longos cabelos castanhos da cara, erguendo de seguida a cabeça. Os olhos são os do pai. Era a sua primeira aparição mas o nervosismo que seria normal sentir-se dava lugar a uma determinação e uma concentração notáveis. Quem sai aos seus não degenera.
 
RB: (De braços cruzados em semelhança ao seu pai) Ouviram o meu pai. Agora é altura de me ouvirem a mim. Se pensam que sou mais uma Diva enganam-se! Eu sou uma lutadora, eu sou uma Borba! (indicador apontado para a câmara). O ringue é o meu templo e é no ringue que eu mostro o porquê de não ser como as outras. Não faço alarido por levar com um soco, limito-me apenas a infligir o máximo de dor que posso para atingir o resultado pretendido: a vitória. É para ser a melhor que compito. Para garantir que o legado Borba permanece intocável e que ninguém duvida das nossas capacidades.
 
O discurso frio de Raquel, que fazia os possíveis para exprimir o mínimo de emoção possível, parecia agradar o seu pai, que observava atentamente. Era assim que a tinha treinado e preparado, não só para os combates como também para qualquer tipo de manifestação oral quer pré, quer pós combate.
 
RB: (Abrindo os braços) Querem ver uma nova geração no wrestling emergir?  Então preparem-se. Que eu não sou igual a nada que tenham visto. E com o início de 2016, é marcado um novo capítulo na história dos Borba: o meu capítulo!

Raquel retira o par de óculos iguais aos do seu pai e quebra-os ao mesmo enquanto fita intensamente os espectadores. O Borba coloca-lhe a mão no ombro. Tal pai, tal filha.

CAM OFF