Contra-relógio

por **rDmT93** Qui Jul 14 2011, 23:44

Cerca de trinta anos, pele morena, estatura não muito elevada e parcialmente calvo como o seu pai. Uma descrição simples e sucinta dum homem singelo em busca duma magnificência genérica. Milton dos Santos cedo percebeu, ou quis perceber, que o seu propósito no mundo era um e um só - ser aclamado. Passar uma vida inteira e terminá-la nos subúrbios da história não era definitivamente algo que quisesse equacionar com o seu eu. Repugnava-lhe quem o fizesse. Desprezava quem tomasse a vida como um puro acto de sobrevivência.

A sua mãe era brasileira, o seu pai português. Conheceram-se quando este último viajou para o Brasil de modo a participar no campeonato do mundo de ginástica acrobática na década de setenta. Mas nunca chegou a fazê-lo. Dois dias antes fora vítima de atropelamento e como resultado perdera uma pequena percentagem das suas capacidades motoras - o suficiente para pôr um fim precoce à sua breve carreira enquanto profissional. Desgostoso e numa fase de inconformismo, encontrara refúgio e conforto na amável senhora das limpezas que ao fim da tarde lá aparecia para a rotineira limpeza no seu quarto de hospital no qual se encontrava acamado. Com o passar dos dias, as pequenas palavras que trocavam inicialmente rapidamente se transformavam numa troca de divagações pautadas por a ingenuidade do momento. Consequentemente o afecto, inevitavelmente a paixão. O ex-atleta casara com a mulher e partira para uma nova etapa na sua vida, prescindindo, para isso, do seu país de origem. O seu grande objectivo passara agora por fazer do seu futuro filho aquilo que o destino não o deixara ser - um ginasta acrobata. E assim foi.

Porém, a certa altura, um fatídico acidente de automóvel, curiosamente a envolver um automóvel, ceifara a vida do filho e mandava para um tremendo desconsolo o seu pai e, desta vez, o conforto da mulher já não era sequer suficiente, agora era o álcool o exclusivo refúgio das mágoas deste. Só lhe restara apenas a mulher, que mal podia com a dor de ter perdido um filho e jamais fora a mesma desde então, e o seu filho mais novo - o Milton. Este tentou seguir as passadas do irmão, mas existia uma enorme discrepância de talento entre ambos, aliás nem sequer pareciam irmãos, algo que o seu pai nunca perdera a oportunidade de o atirar à cara. Frustrado e inconformado com a vida condenada ao fracasso que Deus lhe dera, o pai de Milton seria mais tarde encontrado morto num bar, naquilo que se supõe ter sido uma rixa violenta onde a embriaguez foi ponto fulcral. Tempos depois, como que isto já não fora suficiente, a mãe de Milton haveria de perder o seu emprego e as dificuldades financeiras aglomeravam-se à dor insuportável que assolava aquela família. Sem grandes opções por optar, Milton e a sua mãe, em busca de condições mínimas de sustento, resolveram migrar para o país de origem do pai de Milton, Portugal.