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Mensagem por Phenomenal Seg Nov 30 2015, 17:09

O que vemos é um velho ginásio iluminado por uma luz fraca e intermitente de um par de lâmpadas que estão a dar as últimas. O foco é um ringue. É claro que a câmara que está a filmar a cena é de baixa qualidade, a imagem tem pouca definição.

Por uns momentos não se vê nada mais a não ser o ringue. Só depois de uns segundos, um homem entra em cena pela direita da imagem. Terá uns vinte e picos anos de idade, mas tem um ar jovial, passaria facilmente por adolescente. A conjugação das suas feições de criança com o chapéu preto que usa de pala para trás cria essa ilusão.

A vestimenta que está a usar, um fato de treino todo branco e um par de ténis de corrida em tons acinzentados ajudam a fomentar essa mesma ilusão, tal como o seu porte físico, era atlético sem ser entroncado, tinha corpo de jovem.

Mas havia algo que denunciava a sua real idade. A objectiva fez zoom no seu rosto, auxiliando o espectador comum a entender que elemento distintivo era esse. A sua expressão era endurecida, a de um homem crescido que já tinha vivido demasiado para ser visto ainda como um miúdo, e os seus olhos carregavam uma dor indescritível. Era com esses olhos carregados de dor que ele, Márcio Guerra, filho de uma das maiores lendas da FPW, fitava o ringue.


Márcio Guerra (num tom sério, intenso): Não consigo olhar para um ringue sem me comover, sem me ver obrigado a fazer perguntas sobre ele. Se eles, os ringues, pudessem falar connosco teriam tantas histórias para nos contar. E quantos mais anos tiverem, mais histórias terão para nos contar.

Márcio passa a mão pela borda do ringue, afaga o tapete com carinho, como se lhe estivesse a fazer uma festinha, como se aquele objecto fosse uma criancinha que tinha acabado de aquecer o seu coração ou um animal por quem ele tivesse muita estima.

Márcio Guerra (continuando com o mesmo tom): Foi num ringue igual a este que tu e o meu pai partilharam um número interminável de batalhas. Suaram litros de água e derramaram uma quantidade ainda maior de sangue um pelo outro. O meu pai dizia que, dentro de um ringue como este, vocês estavam em constante crescimento, que no final de cada combate de equipas que travavam juntos eram não só competidores, mas também homens mais fortes do que aqueles que eram antes de a campainha ter soado. Mais ainda, ele dizia que no final de cada combate havia um laço entre vocês que se tinha fortalecido; um laço que os bons homens devem sempre estimar e salvaguardar: o da amizade, um dos sentimentos mais honrosos existentes.

Márcio suspira fundo, engole em seco.

Márcio Guerra (com rancor na voz): Só que, ao contrário do que o meu pai pensava, tu não eras um homem bom. Nunca o foste. E por isso mesmo não hesitaste em destruir uma amizade que durante anos tinha crescido. Fizeste-lo também num ringue como este, quando lhe tiraste a oportunidade de conquistar aquilo pelo qual ele tinha trabalhado uma vida inteira. Um simples momento, um empurrão, foi o que te bastou para acabares com aquela que, provavelmente, fora a única boa amizade que alguma vez tiveste.

“O Filho Pródigo” deita-se na borda do ringue e rola para dentro do mesmo. Levanta-se e coloca-se no centro do tapete, olhando directamente para a objectiva da câmara.

Márcio Guerra: Diz-me Van Daal, consegues recordar-te realmente daquilo que eu estou a falar, ou a droga corrompeu-te de tal maneira o cérebro que, para ti, neste momento o passado não é nada mais do que um nevoeiro indistinto? Se não conseguires, não faz mal, Van Daal, porque para mim o passado é um fantasma de que eu não vejo capaz de livrar. Posso-te recapitular tudo desde o início, não me importo de o fazer.

Márcio caminha até um dos cantos do ringue, sobe ao topo do mesmo e senta-se por lá, continuando de olhos postos na câmara.

Márcio Guerra: A história começou há vinte anos atrás, quando eu tinha só seis anos. Tinhas acabado de chegar a Portugal e à FPW. O teu início na Federação foi um cheio de altos e baixos; prometias muito, sempre prometeste, mas a verdade é que no teu primeiro ano na Federação derivaste entre exibições impressionantes e performances completamente desapontantes, que resultavam em derrotas frente a adversários muito menos dotados. Esta inconsistência de que falo sempre marcou a tua carreira e, naquela altura, era algo que fazia o Eugénio e os oficiais da Federação ponderarem se te deveriam ou não renovar o contrato. Mas, felizmente, conseguiste subir o nível e encontrar a consistência nas tuas performances.

Márcio faz uma pausa no seu discurso, curva-se para a frente, aproximando a cara da câmara.

Márcio Guerra: Ou alguém conseguiu fazer com que tu alcançasses essa consistência. E esse alguém foi o meu pai, Albano Guerra, um lutador que na altura já era um dos mais bem-amados atletas da Federação e uma estrela em potencial que toda a gente, dos oficiais nos bastidores aos fãs na plateia, reconhecia. O meu pai não precisava de ti, Van Daal, havia coisas grandes planeadas para ele. Quando ele se juntou a ti já era grande demais para a divisão de equipas. Só que ele não se importou com isso. Para o meu pai eras um poço de talento, um diamante que tinha que ser lapidado. O meu pai não hesitou em dar-te a mão, em ensinar-te aquilo que ele melhor conhecia e que o tinha ajudado durante toda a sua carreira: disciplina, ética de trabalho, foco. E, quando aprendeste esses ensinamentos que ele te passou, então brilhaste ao seu lado. Juntos, vocês formaram a dupla lendária que dominou a divisão de equipas da FPW durante anos a fio. Coleccionaram reinados enquanto campeões, um deles absolutamente memoráveis que se prolongou durante quase dois anos.

Guerra suspira fundo, baixa a cabeça num gesto de tristeza. Quando a torna a levantar, a dor nos seus olhos transparece de uma maneira ainda mais intensa.

Márcio Guerra: Mas a vossa relação não se ficou pelos ringues da Federação. Estendeu-se muito para além dela, abraçou aqueles que vos eram próximos. Ainda consigo visualizar perfeitamente o momento em que o meu pai te apresentou a mim. Eu não queria aceitar o teu aperto de mão, Van Daal. Não conseguia confiar na tua cara, olhava para ti e só via maldade, só depois de muita insistência por parte do meu pai é que lá acabei por te dar o passou-bem. Hoje percebo que não estava enganado e que as crianças conseguem ver mais claramente aquilo que passa ao lado dos adultos.

Márcio morde o seu lábio inferior, a frustração no seu semblante é notória.

Márcio Guerra (num tom seco): Mas, agora, isso de nada me vale.

Márcio suspira novamente; um suspiro longo, profundo.

Márcio Guerra: Com o tempo, o meu pai tomou-te como um irmão e, por extensão, eu tomei-te como um tio. Lembras-te de como é que eu te chamava? Eras o tio Gill. Juntas, as nossas famílias partilharam muitos bons momentos, muitas gargalhadas - quando tu querias eras um tipo que conseguia ter piada, Van Daal -, chegámos a ir todos de férias para o Algarve. Não sei se saberás isto, mas a Jasjmin chegou a confidenciar com a minha mãe que os tempos em que as nossas famílias se portavam como se fossem uma só foram os mais felizes que ela já tinha tido ao teu lado. Ela disse à minha mãe que o meu pai tinha feito de ti um homem melhor, e que por isso lhe estaria eternamente grato.

O filho do falecido lutador da FPW tira o chapéu da cabeça e coça o cabelo num gesto de ansiedade. Volta a colocar o chapéu na cabeça, novamente de pala para trás, e mais uma vez solta um suspiro intenso.

Márcio Guerra (com a voz carregada de raiva): Raios, Van Daal, foi contigo e o meu pai ao meu lado que bebi a minha primeira cerveja…Foste tu que ma compraste, lembras-te?! Foi em 2003, tinha eu catorze anos, pouco tempo antes de vocês os dois decidirem terminar com a equipa. Depois de tudo o que as nossas famílias tinham vivido, depois da amizade que se tinha criado e amadurecido, por que é que foste fazer a merd* que fizeste?! Por que é que foste estragar tudo?!

Márcio salta do canto, poisando no tapete do ringue com os dois pés. Dirige-se ao centro do mesmo, começa a andar freneticamente de um lado para o outro, com os nervos à flor da pele, o coração consumido pelo ódio. Acaba por parar e olha novamente para a câmara.

Márcio Guerra: Queres que eu te seja sincero, Van Daal? Quando soube que o Rafa morreu a primeira emoção que senti foi a de felicidade. É algo de que ainda hoje me envergonho, mas é verdade. Porque eu sei que a morte dele te magoou. E a minha raiva por ti é tanta que tudo o que te magoe me deixa feliz. Não é nada de que me orgulho, não é um sentimento que me faça sentir bem, mas é a verdade. Mas o que me conforta é saber que logo a seguir veio a tristeza pela partida do Rafa. E que essa se prolonga até agora, enquanto a felicidade ao saber da sua morte foi efémera. O Rafa sempre foi um bom miúdo, tinha bom fundo, o seu maior problema era o pai que tinha. Eras tu, Van Daal, que não suportas estar sozinho no lodo e então sentes a necessidade de levar os outros contigo. Foste tu que mataste o Rafa. E tu é que devias ter morrido, não ele. Um tipo como tu já está há demasiado tempo por este mundo.

Guerra leva as mãos à cabeça. Depois esfrega as têmporas e cerra os olhos. Os nervos e a raiva acumulada estavam-lhe a dar enxaquecas. Quando torna abrir os olhos, os mesmos estão a tremer, aguados.

Márcio Guerra: Eu torno a perguntar, por que é que fizeste o que fizeste ao meu pai? Por que é que o impediste de alcançar o sonho que ele ambicionava desde miúdo? Foi por inveja, Van Daal? Fizeste-o realmente por algo assim tão mesquinho? Fizeste-o por o meu pai voltar a brilhar e a subir na carreira depois de vocês se terem separado, enquanto tu voltaste às tuas performances desapontantes? Fizeste-o porque ele estava prestes a conquistar o Título Principal da Federação antes de ti? Por saber que ele tinha uma proposta de um ano por parte da Companhia norte-americana em que tu falhaste em triunfar? E por os oficiais da Companhia lhe terem prometido que ele seria uma aposta séria da Empresa, algo que tu nunca realmente foste?

Márcio engole em seco.

Márcio Guerra: Eu acredito que sim, porque é esse o tipo de homem que tu és. Foi a inveja que te levou a cravar os caninos na mão do meu pai - a mão que durante anos te cuidara e alimentara -, como o cão ingrato que tu és. Foi a inveja que te moveu a destruir uma amizade entre dois homens e duas famílias. Foi a inveja que te motivou durante toda a rivalidade com o meu pai, em que apareceste como um lutador transfigurado, mais intenso e mais focado do que nunca. Foi a inveja que te levou a aplicar aquele Piledriver ao meu pai, no topo do tejadilho daquele carro. O Piledriver que lhe destroçou duas vértebras e o paralisou, atirando-o para uma cadeira de rodas até ao fim dos seus dias. Não te chegou tirar-lhe o Título da FPW. Tinhas também que lhe tirar a oportunidade nos Estados Unidos. Tinhas que lhe tirar tudo.

Márcio dá três passos em direcção ao local onde está a câmara. Os seus olhos continuam aguados, o seu semblante cerrado, mas as lágrimas teimam em não cair.

Márcio Guerra: O meu pai sempre tinha sido um homem positivo. Enfrentava o dia-a-dia e cada novo desafio que se interpunha no seu caminho com um sorriso sincero nos lábios. Depois daquele teu Piledriver esse sorriso desapareceu para não mais ser visto. Roubaste-lhe a modalidade que ele tanto amava. Roubaste-lhe a independência…tens sequer a mínima noção do quão humilhante era para um homem como o meu pai precisar de ajuda até para tomar banho?! Roubaste-lhe a hipótese de alcançar um outro sonho que eu próprio partilhava com ele: o de um dia fazer equipa comigo dentro de um ringue. E como se tal não bastasse…

Mais um suspiro por parte de Márcio. Este torna a morder o lábio inferior, esforça-se para não chorar.

Márcio Guerra: Tiraste-lhe a possibilidade de conceder à minha mãe o maior sonho que ela alguma vez tivera: o de ter uma filha. Sabes, Van Daal, se o meu pai morreu tão novo eu acredito que foi graças àquela cadeira de rodas. Tu tiraste-lhe praticamente tudo o que ele tinha de bom na vida, tudo aquilo porque ele lutara desde pequeno, tiraste-lhe quase todos os motivos que ele tinha para lutar, para viver…

Surpreendente, desenha-se um sorriso irónico no rosto de Márcio Guerra.

Márcio Guerra: Mas isso sempre faz parte de ti, não é? Já anos antes tinhas roubado ao meu pai o 630º Splash. A manobra que ele te ensinou. A manobra que ele usou para vos garantir o primeiro reinado enquanto campeões de equipas da FPW, ainda antes de tu estares sequer perto de a dominar. A manobra que ele ia utilizar para conquistar o Título Principal da Federação antes de o teres empurrado. Chamava-lhe o “Grito de Guerra”. Pelo menos tiveste a decência de não lhe roubar o nome. E isto é, se não evitaste utilizar o nome para fazer de conta que era a tua própria manobra. A manobra que hoje é publicitada como a mais impressionante da História da FPW. A manobra de que as pessoas voltaram a falar nas ruas, perguntando se tu ainda serás capaz de a aplicar no show de regresso da Federação. O meu pai usava-a muito raramente, uma vez por ano se tanto, tinha-a tornado algo especial. As pessoas parecem ter-se esquecido disso, falam do 630º Splash como se fosse teu. Tu sabias perfeitamente que era uma manobra espectacular então usava-la sempre que podias como uma forma de receber aplausos e gritos de apoio vindos da plateia. Tu banalizaste a manobra, usaste-a para te sentires aceite. Tu tens esse tipo de necessidade doentia. Eu voltei a dar o devido nome à manobra, Van Daal. Introduzi-a no meu repertório em homenagem ao meu pai. Fi-lo porque é uma manobra que merece ser honrada. E, se o Eugénio me der a oportunidade, é a manobra com a qual eu planeio fazer justiça depois de todos estes anos. Prometo que darei o meu melhor para que essa justiça seja feita.

A câmara torna a focar em grande plano o rosto de Márcio. Os seus olhos ainda estão num tom vermelho carregado, a água é mais abundante do que nunca, mas insiste em não cair. Márcio beija o punho direito e depois aponta o indicador da mesma mão para o céu.

Márcio Guerra (num tom incrivelmente sentido): Prometo-te a ti, pai.

A imagem desvanece.
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