Erva no espírito - O diário de ninguém

DIA 1
O amor paira em caminhadas de espírito longínquas, que não consigo atingir, e foge-me como a beleza foge ao cego.

DIA 2
Tanto caminho em tudo, como caminho em nada. Não há nada que me complete, como não há um tudo que me prenda aqui. Tudo vai, e vem. Nada se detém, tudo se perde. Este é o meu devaneio vindo directamente dos subúrbios da minha existência, que nunca explorei, porque nunca existi.

DIA 3
Eu poderia ter sido tudo, mas tiraram-me tudo e obrigaram-me a nascer.

A inocência é talvez o sentimento mais feliz que existe. Sim, só com ela não conseguimos entender o que nos reserva o futuro e, assim, somos felizes.

Eu fui um génio na minha cabeça. Em tanto pensei que depois percebi que era uma visão demasiada para mim. Eu não a merecia, não me pertencia. Nada escrevi sobre ela. Deixei para quem a suportar.

Penso se sou eu quem faço palpitar teu coração quando pensas tu que se esgotou todo o ar no teu interior, ou se sou eu que aqueço a tua alma quando esta gela com as barreiras e muralhas a que a vida nos sujeita. Penso, mas não encontro a resposta. Penso, porque só a pensar me encontro. Eu sou a Incógnita.

DIA 4
Lavo as minhas mãos na ignorância universal. Basta uma palavra soletrada no segundo mais incoerente que possa existir para que tudo mude e nunca volte a ser o que era, como tudo o que foi deixasse de ser.

É sempre esta dor que não me larga. Dói demasiado. É a dor de sermos grandiosos e não aguentarmos essa grandeza. É a dor de sentirmos que nascemos para uma grande obra, mas desconhecermos o sentido de tal sentimento. Eu não pedi para ser assim. Eu não quero ser assim. Eu só quero ser eu, assim que descobrir quem sou.

DIA 5
Fecho a porta, e grito num tom arrastado "VAI-TE EMBORA!". Sei que todo o ser presente naquela rua, naquele determinado segundo, ouviu este meu grito. Todos: o velhote que pedia esmola para a neta deficiente, o sem-abrigo que vagueava em busca do seu destino, a mulher que traía o marido com o outro nas arcadas, o homem que procurava a todo o custo encontrar a mulher, os filhos que choravam no carro para o pai não bater na mãe, e tantos outros inúteis que diziam estar a viver a sua vida miserável mas que no fundo só estavam no exacto segundo a fazer algo que nada mudou no mundo, e que nada mudou nas suas vidas, porque eles não existem. Todos ouviram, mas ninguém percebeu a quem implorava eu que partisse. Para ser sincero, nem eu sei quem é. É essa figura lavada de negro reflectida no chão que me persegue para onde quer que vá, que se ri de mim a todo o segundo, que me usa e abusa como se fosse um deus. Gritei, é verdade, mas ela atravessou a equação de tempo e espaço. Ela está outra vez atrás de mim. E assim desvaneço de olhos postos na minha própria morte...

DIA 6
O diálogo é uma fonte de mal-entendidos. Não digas nada mais, não vale a pena. Vive comigo o silêncio do nosso amor. Abraça-me. Beija-me. Mas não me deixes ir, eu não voltarei.

DIA 7
O teu rosto começa-se a degradar. E que tal fingires agora ser outra pessoa?